sexta-feira, 15 de julho de 2016

Ratos (Gordon Reece)



            Atuante na área de livros infantis ilustrados e graphic novels, esse é o primeiro romance do escritor britânico Gordon Reece.
            Shelley vivia com sua mãe, Elizabeth, em uma casa de campo chamada Chalé Madressilva cuja compra se deu pelos encadeamentos dos fatos lamentáveis por que passaram. A mãe de Shelley é uma advogada que se separou do marido após descobrir uma traição. O dinheiro que conseguiu após a divisão dos bens da propriedade matrimonial em que viviam fora aplicado na compra da nova casa afastada da cidade, uma vez que ambas procuravam um lugar longe dos agitos dos centros urbanos. Contudo, outras razões também influenciaram na opção por um local bucólico, sendo a principal, o fato de Shelley ter sofrido bullying na escola onde estudava.
            Shelley tinha três amigas de infância e, juntas, formavam as JETS (sigla formada com as iniciais dos nomes de cada uma). Sempre se reuniam para as brincadeiras, bem como para os estudos desde cedo. Contudo, ao chegarem à adolescência, as amigas mudaram bastante, enquanto Shelley continuava a garota responsável de sempre. Tal ocorrência suscitou o ódio das amigas que passaram a ridicularizá-la em público todos os dias. Shelley suportava tudo silenciosamente por medo de retaliação, escondendo os abusos da escola e de sua mãe. Contudo, quando teve os cabelos incendiados num episódio que quase lhe custara a vida, Shelley quebrou o silêncio. Mesmo assim, por ausência de provas concretas, a escola e a polícia inocentaram as garotas e Shelley seria mais uma vítima a ter seus estudos ministrados em casa, até que o trauma fosse vencido. Era a confirmação de uma metáfora que a garota criara para si mesma: ela sempre se comportara como um rato, sempre tendo que se esconder e fugir dos mais fortes por ser incapaz de se defender.
            No aniversário de 16 anos de Shelley, um episódio trágico transformaria definitivamente sua vida e a de sua mãe, forçando-as a não mais se comportarem como ratos assustados. Durante a madrugada, um assaltante drogado invadira os aposentos da pacata residência e as fizera reféns por algumas horas. Mesmo tendo agredido física e verbalmente mãe e filha, o assaltante parecia satisfeito com o que conseguira roubar e já estava partindo. Nesse momento, Shelley supera o rato que sempre fora e parte para cima do assaltante com toda a fúria. Todavia, a ação repentina traz consequências avassaladoras, fazendo com que ela tenha sua vida perturbada por muito tempo depois.
            Embora desperte curiosidade sobre o desfecho do ataque de Shelley ao assaltante, esse é o tipo de livro que um mínimo de spoiler seria capaz de destruir qualquer motivação em ler a obra na íntegra. Portanto, os comentários sobre a trama se encerram por aqui, em respeito àqueles que não conhecem a história. Mesmo assim, valem algumas considerações sobre o conjunto da obra.
            A narrativa acontece em primeira pessoa, sendo a própria Shelley quem conta os fatos. Ela é a narradora-personagem e conta não somente os fatos objetivamente, mas também seus sentimentos e emoções frente aos acontecimentos. Por causa disso, a obra possui um caráter autobiográfico, como se fosse um recorte de um acontecimento importante da vida da garota, contado minuciosamente, dado o impacto que provocou nos moldes de sua personalidade. No entanto, tal impacto não a altera instantaneamente, uma vez que Shelley tem pensamentos suicidas, amargados pela culpa que carregava diante do que tinha feito. Interessante salientar a modificação por que mãe e filha passam, de forma que elas se aperfeiçoaram, à medida que fizeram coisas piores e mais cruéis. Enfim, Shelley conta como superou, ainda que criminosamente o rato que sempre fora, de forma que ela se encheu de coragem para enfrentar a vida bravamente. Literariamente a obra pode ser classificada como um thriller psicológico muito bem construído.
            O livro é polêmico tanto quanto é filosófico. A forma com que é narrada faz com que nada seja previsível e tudo seja inesperado. Ao final o leitor terá um paradoxo para resolver em seu intelecto: seriam mãe e filha culpadas por defenderem sua liberdade ou a vida as inocentou de uma culpa que já havia sido expiada durante longos anos de sofrimento?

REFERÊNCIA LITERÁRIA
Título:   Ratos
Autoria: Gordon Reece
Editora: Intrínseca
Ano:      2011
Local:    Rio de Janeiro
Gênero: Thriller | Suspense | Drama

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