terça-feira, 18 de agosto de 2015

Sombras de Julho (Carlos Herculano Lopes)



            Uma das melhores obras do escritor brasileiro Carlos Herculano Lopes, esse livro tornou-se merecedor do prêmio de melhor romance da V Bienal Nestlé de Literatura Brasileira (1990). Também foi encenado nas telas do cinema (1995), em um longa metragem dramático e emocionante, rodado em 16mm e posteriormente editado para a televisão.
            Uma palavra resume o clima da narrativa desse livro: drama. Do início ao fim, o que temos é o relato pesado de uma história triste de vingança, com uma aura de melancolia e pesar de causar compaixão. Tudo acontece devido a um conflito entre latifundiários pela posse de terras no município de Ingaí, em Minas Gerais, às margens do Rio Tanguari. Fábio e Jaime eram dois amigos de infância que, repentinamente tem a amizade cortada pela dureza de um assassinato, quando Fábio estava indo a cavalo nas terras do pai do amigo – Joel – a fim de chegarem a um acordo sobre a demarcação das terras. Contudo, Joel e o capanga Alcides armam uma emboscada para Fábio incitando Jaime a atirar contra ele, sem permitir-lhe dar nem mesmo a última palavra.  Feita a execução, os três fogem, sabe-se lá para onde.
            A cena anterior é o ponto de partida para todo o desdobramento da história, que é contada, ora pelo próprio narrador, ora na voz dos próprios personagens. A descrição do corpo de Fábio, seu velório, o pesar que caíra sobre seus familiares e o clima de desamparo e angústia que fora instalado nos corações de sua mãe e seu pai é comovente. O mesmo acontece com as reflexões tecidas a respeito da reação da mãe de Jaime, os pensamentos de seu pai e o peso na consciência do próprio jovem. Como a família de Jaime era rica, seu pai corrompe os investigadores e as testemunhas, a fim de que forjem uma história que incrimine a vítima e inocente Jaime, deixando para Arlindo a responsabilidade pela execução, por ter agido em legítima defesa. Esse acontecimento destroi ainda mais as esperanças da família de Fábio, principalmente sua mãe, Dona Helena, que caí em depressão profunda.
             A riqueza maior da obra de Carlos Herculano, talvez seja o mergulho na análise psicológica de cada componente do cenário dramático. Joel, por exemplo, era dominado por forte ciúme de Jaime, que era muito amado por sua mãe Ione. Com isso, o pai decide envolver o filho mais novo no assassinato, visando também separá-lo de sua mãe. Por outro lado, abusos sofridos durante sua infância, justificam a postura valente do pai frente aos fatos, bem como a violência e frieza com que agia em tantos momentos de sua vida. Jaime, torna-se o rapaz que perdeu a própria identidade ao ser coagido a realizar uma tarefa que, por si, jamais teria feito. O fruto de tamanha covardia é a sombra de Fábio a perseguir-lhe por toda a vida. Por outro lado, Horácio, pai de Fábio, diante dos fatos fatídicos da execução e do suborno das testemunhas, é lançado em culpa por ter levado a família para morar em um ambiente tão hostil, restando-lhe como válvula de escape o alcoolismo. Helena, mãe de Fábio, movida pela sede de vingança cria imagens de que o filho voltará a qualquer momento, de forma que seus familiares decidem interná-la em um manicômio, já que não sabiam lidar com tamanha loucura.
            A densidade da narrativa de Carlos Herculano é carregada e muito forte. O autor usa de uma linguagem coloquial estilizada e muito eficaz em comunicar a crueza dos fatos frios que são narrados. O tema da justiça é como que algo fruto de uma gestação interrompida pelas quantias que são oferecidas às testemunhas para que atestem a inocência dos verdadeiros culpados. A mescla entre narração em terceira pessoa, discurso indireto livre e monólogo interior em uma multiplicidade de vozes, confere um estilo diferencial e perfeitamente acoplado ao corpo do texto, de forma que o leitor não se perde e sim se localiza melhor nos verdadeiros sentimentos de cada personagem. O narrador dirige-se até mesmo ao próprio Fábio, na condição de morto, em discursos solenes, como aqueles que são feitos para homenagear grandes figuras. Entretanto, longe de exaltar a nobreza de caráter, a homenagem aqui é negra e deprimente, beirando o arrependimento por seu último ato de diplomacia desencadear tamanha dor e destruição para seus familiares.

 REFERÊNCIA LITERÁRIA
Título:    Sombras de Julho
Autoria:  Carlos Herculano Lopes
Editora:  Atual
Ano:       1994
Local:     São Paulo
Edição:   3ª
Gênero:  Drama

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