quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

Super-herois e a Filosofia (William Irwin)




            Dotados de super-poderes especiais, trajados em collants coloridos e com designs modernos, imbuídos de atitudes nobres e altruístas, os super-heróis são ídolos mundialmente famosos e inspiradores do agir ético em uma legião de fãs. Contudo, uma abordagem filosófica desses seres irá revelar muitas surpresas, à medida que analisa traços que talvez fiquem em segundo plano, concentrados que estamos em vê-los em atuações espetaculares. É esse o objetivo desse livro magnífico, que reúne artigos de professores renomados, mas também amantes das histórias em quadrinhos que retratam os épicos super-heróis.
            Os textos abordam os personagens de sucesso da Marvel e DC Comics. Os temas giram em torno do dever moral, o mundo existencial, o agir ético e o horizonte de significado dos super-heróis. Portanto, cabe um pequeno aperitivo das questões mais significativas pelas quais os autores tecem suas análises.
            Um dos maiores ícones do heroísmo nos quadrinhos, a figura do Super-homem tem uma natureza paradoxal: ao mesmo tempo em que exercita seu caráter altruísta, também alimenta sua necessidade de pertença à raça humana. É a melhor expressão do ser humano plenamente realizado. Dessa forma, é colocada uma questão que perpassa a conduta de todos os super-heróis: o agir moral está diretamente atrelado ao seu ser humano. Eles poderiam escolher viverem como pessoas normais, mesmo possuindo poderes que os distinguem das demais. Contudo, são animados por um dever moral de fazer o bem. Concomitantemente, quanto maiores os poderes, maiores as chances de poder ajudar e consequentemente de correr riscos. Recordemos aqui o que disse o tio de Peter Parker (Homem-Aranha): “Um grande poder traz consigo uma grande responsabilidade”. A maior virtude desse heroísmo é a mensagem moral da importância do autosacrifício, autodisciplina e dedicação a uma causa nobre que direciona o agir ético na tradição filosófica.
Os super-heróis exercem o papel de vigilantes. Contrariando aquilo que falou o filósofo John Locke, eles são cidadãos especiais que promovem a justiça pelas próprias mãos. Assim, a violência é legitimada, desde que seja para coibir as ações dos infratores. Deste modo, são como policiais especiais a serviço dos governos. Contudo, quando tais governos não concordam com o agir dos super-heróis, eles passam a serem inimigos do Estado, agindo de maneira ilegal, irresponsável e violenta. Trata-se de uma polêmica à parte que reflete sobre até que ponto a conduta em prol do bem comum é permissível quando necessariamente deve infringir certas leis. É o que acontece nas edições de Watchmen e Batman: o cavaleiro das trevas.
Curiosamente, nas HQs dos super-heróis a religiosidade não é um tema presente. Exceção para o Demolidor, em que a história deixa claras as raízes católicas dos pais de Matt Murdock. Por outro lado, honra e glória são virtudes constantes. A trama do Quarteto Fantástico e sua missão de livrar o planeta Terra do apetite voraz de Galactus abordam um tema importante: o sacrifício da vida de um só individuo justificaria o salvamento de milhares de outros? A conduta dos heróis sempre irá privilegiar a salvação de todos os envolvidos, buscando-se a melhor alternativa para que o mal seja dissipado sem nenhuma vítima.
As HQs dos X-men e, especialmente a franquia de filmes lançados pós-11 de setembro, deu também à mulher o caráter de heroína, um papel que vinha sendo atribuído somente aos homens. Dos personagens da Marvel, destacam-se Tempestade (a melhor expressão da figura heroína), Mística (símbolo da anti-heroína) e Jinn Gray (marca da heroína com menores poderes, contudo maior protagonismo no que diz respeito à entrega total pela causa). Os super-heróis inspiram a busca por um caminho de perfeccionismo moral. Não obstante, longe de seguir-lhes o exemplo como se fosse uma cópia, tal perfeccionismo indica que, inspirado em suas ações, deve-se buscar atingir o melhor que cada um pode chegar. É o que acontece com Bárbara Gordon, a Batgirl.
Batman é o mais solitário dos super-heróis. A plena dedicação a sua missão, proveniente do trauma gerado pelo assassinato de seus pais, impede que ele se revele e se confie a muitas pessoas. E abertura é um fator fundamental para que ocorra uma relação de amizade. Por outro lado, os membros da Liga da Justiça são analisados como componentes de uma família perfeita, pelo comprometimento um com o outro, ainda que existam certos contratempos.
A história de Hulk é um prato cheio para a questão da identidade existencial. Afinal, Bruce Banner e o Incrível Hulk são a mesma pessoa? Quais traços permitem a continuidade dessa identidade, mesmo que sejam criaturas totalmente distintas? Que conclusão pode ser tirada disso?
Outro tema relevante trabalhado pelas histórias em quadrinhos, diz respeito aos multi-universos. Isso é notável principalmente nos episódios em que determinado personagem tenta voltar no tempo para modificar a história. Metafisicamente, é possível voltar ao passado vivendo no presente e assim modificar o futuro? Não seriam duas dimensões diferentes de um mesmo tempo atual? Esse debate é um dos mais controversos da história da filosofia.
Pelas rápidas considerações destacadas, tem-se uma noção da riqueza desse material para aqueles que desejam ver os super-heróis para além da adrenalina característica de suas representações, seja nos quadrinhos, desenhos animados ou no cinema. É um livro completamente abrangente, capaz de ressaltar o efeito humanizante que cada personagem transmite. Dessa forma, é possível também compreender o porquê tais personagens exercem um poder místico em tantas pessoas, comparável somente ao efeito catatônico que as religiões produzem em seus fiéis. Seriam os super-heróis os deuses que a cultura criou como quimeras mantenedoras de uma sociedade mais justa, equilibrada e feliz? 

 REFERÊNCIA LITERÁRIA
Título:        Super-herois e a Filosofia
Subtítulo:   verdade, justiça e o caminho socrático
Autoria:      William Irwin (org.)
Editora:      Madras
Ano:           2009
Local:         São Paulo
Gênero:      Super-herois | Filosofia

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