sábado, 7 de julho de 2012

Os Ossos de Deus (Leonardo Gori)


          A evocação de nomes de grandes personagens históricos em romances exige do escritor um trama cuidadosamente construída, a fim de que os admiradores não julguem a riqueza literária da obra pela biografia real do personagem. Em Os Ossos de Deus, o autor italiano Leonardo Gori demonstra com maestria sua capacidade de construir uma ficção, de forma que o leitor fique curioso por descobrir quais partes do romance se mesclam com realidade dos fatos.
        A história se passa no período do Renascimento Italiano. Nicolau de Bernardo Maquiavel, primeiro-secretário da República de Florença, viaja em companhia de Durante Rucellai, médico e cavalheiro, e Ginevra, esposa deste. A mando de Piero di Tommaso Soderini, gonfaloneiro e magistrado municipal da república, tinham a missão de vistoriar as obras em Gran Villa do Arno, local onde vinham sendo feitas escavações para desviar o curso do Rio Arno, em uma manobra política contra o povo de Pisa. As obras estavam sob a responsabilidade do chefe Michele Almieri mas haviam sido projetadas por Leonardo di ser Piero da Vinci que, além de outras, reunia em si as qualidades de escultor, pintor, arquiteto, cientista e anatomista. Era o nome mais famoso de sua época, grandioso principalmente por ter projetado uma máquina movida a tração animal por extrema importância nas obras do Arno.
         Com as obras estava indo tudo bem. Contudo, o misterioso aparecimento de cinco corpos de mouros (escravos provenientes da África) e macacos intrigara bastante Durante e Nicolau, principalmente por apresentarem sinais de que foram submetidos a autópsia. Tal procedimento era considerado abominável e ultrajante para a cultura da época. Além disso, Leonardo havia desaparecido após os terríveis acontecimentos e nenhum dos operários levantara indícios sobre seu paradeiro, tornando-o o principal suspeito dos crimes. Desta forma, Nicolau e Durante iniciam uma investigação sobre os fatos, os quais são agravados pelo encontro de Filippo del Sarto, filósofo e cientista de Pádua, assassinado misteriosamente em Livorno. Em cada cena o autor deixava inscrições ininteligíveis como pista.
         Leonardo da Vinci é uma figura astuta e perspicaz. Seu interesse maior era encontrar as obras dos filósofos da antiguidade Herófilo e Erasístrato. Com elas, poderia apresentar provas convincentes de sua teoria que, segundo pensava, poderia abalar os pilares da cristandade. Era a “arma secreta” de Leonardo, em que descobrira que os homens não haviam sido criados por Deus, conforme ensina o relato bíblico do Gênesis, mas descendiam diretamente dos macacos de uma forma evolutiva, por obra selecionadora da natureza e por transformações do sêmen. Tal concepção era considerada heresia pela Igreja na época, pois ataca incisivamente a tese do poder criativo de Deus. Além do mais, conceber a natureza humana como proveniente de um animal seria rebaixar sua condição ao invés de elevá-la.
         A obra de Leonardo Gori conserva certos traços de semelhança com os polêmicos livros de Dan Brown, embora sem muita repercussão. Um grande diferencial entre as obras dos dois autores é que Leonardo Gori restringe a polêmica de sua trama ao contexto social em que ela é narrada. Ou seja, ideias que hoje não representam tamanho impacto no mundo contemporâneo, seriam por demais absurdas na cultura daquela época. Vale destacar a veracidade dos personagens e da alusão a suas ideias, em especial de Maquiavel, para o qual a crueldade é admissível apenas quando visa bons propósitos, uma vez que o dever do Príncipe é preservar o Estado. Sendo assim, ela é uma consequência necessária da suspensão emergencial das leis, visando fins bons. A teoria desenvolvida por Leonardo da Vinci faz lembrar muito a Teoria da Origem e Evolução das espécies de Charles Darwin.
Dessa forma, permitindo ao leitor fazer o entrelaçamento dos conhecimentos , a obra se apresenta com um rico valor literário. No entanto, exige atenção no acompanhamento do enredo, uma vez que o autor promove a transição de cenários, às vezes, de um capítulo para outro, permitindo que um leitor distraído ou desatento perca facilmente o fio da história. Talvez esse seja o único ponto falho da obra como um todo, pois dificulta a compreensão do cerne da trama.

GORI, Leonardo. Os Ossos de Deus. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2010. 288 pgs.

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