domingo, 1 de abril de 2012

A Paixão de Cristo segundo o Cirurgião (Pierre Barbet)


paixão de cristo segundo o cirurgião, a"Ele não tinha aparência nem beleza para atrair nosso olhar, nem simpatia para que pudéssemos apreciá-lo" (Is 53, 2)

          A paixão, morte e ressurreição de Cristo são as bases fundamentais do cristianismo, sendo que seus sofrimentos pela redenção do mundo evocam a piedade e devoção dos fieis. A crueldade com que Jesus foi julgado, condenado e crucificado é amenizada pela sua intenção primordial, de que ele tudo isso aceitou livremente e amorosamente. No entanto, visto que a crucificação era uma condenação comum entre os romanos, como entendê-la cientificamente, excluindo-se os exageros que a comoção venham a provocar? Diante desta questão, vale esmiuçar neste pequeno texto, resumidos detalhes dos tópicos principais abordados pelo autor.
           Pierre Barbet foi médico cirurgião francês e, como católico convicto, quis entender a anatomia da crucificação. Para isso, usou seus conhecimentos médicos e experiências laboratoriais para examinar os traços de uma das relíquias mais polêmicas do catolicismo: o Santo Sudário. Desta forma, o estudo dos indícios da veracidade da crucificação de Cristo e sua comprovação por meio da análise científica das provas (sudário, análise anatômica, documentos históricos) acabam por fundamentar as convicções fideístas do autor e sua crença na veracidade da santa mortalha.
          No aspecto material, os principais elementos do Santo Sudário são: 1º) o tecido; 2º) as partes queimadas; 3º) as dobras; 4º) as impressões do corpo; 5º) as impressões sanguíneas. Sobre essas últimas, diferente do que se pensa, o autor constata que as impressões sobre o tecido não são manchas de sangue líquido e sim decalques de sangue coagulado que, por sua propriedade absorvente, se espalharam de forma irregular no pano.
          A crucificação era uma condenação das mais atrozes, que os soldados romanos dominavam com maestria. Seus principais instrumentos eram: 1º) Stipe crucis: a haste vertical da cruz, que ficava fincada no calvário; 2º) Patibulim-furca: a haste horizontal que os condenados carregavam; 3º) Conjunção dos dois paus: geralmente em + ou T; 4º) Sedile: espécie de "assento" para prolongar a agonia do condenado; 5º) Suppedanaeum: um consolo horizontal ou oblíquo sobre o qual se apoiavam os pés; 6º) Instrumentos de fixação: cravos e cordas. Os condenados eram crucificados nus ou usando apenas o subligaculum, uma faixa de pano que cingia os rins e as coxas, numa espécie de calção, muito comum entre os judeus. Chegavam a ficar dias em agonia ou eram submetidos ao crurifragium que consistia em um "golpe de misericórdia" no qual eram quebradas as pernas do penitente a fim de acelerar a morte. Por outro lado, o lançaço era um procedimento regulamentar e obrigatório antes que o corpo fosse entregue à família. Nesse, uma lança era trespassada no peito, atingindo o coração.
O Santo Sudário de Turim
O Santo Sudário de Turim
          A morte rápida de Cristo, que levou Pilatos a se surpreender, do ponto de vista do autor, tem uma explicação plausível. Algumas causas preparatórias contribuíram para seu desfalecimento: a hematidrose ou "suor de sangue" relatado por Lucas à véspera da paixão, que provocara uma diminuição da resistência vital e um estado anormal da pele; a flagelação e coroação de espinhos; a fome e a sede; as hemorragias; a insolação, e a síncope por deglutição, que consiste na morte súbita provocada pela ingestão da mistura líquida que lhe fora dada pelo soldado (a "posta", uma mistura de água, vinagre e ovos batidos). Dentre as causas determinantes estão a tetania e a asfixia. Aquela corresponde a contração violenta dos músculos do corpo provocando câimbras terríveis e levando a um estado de rigidez, enquanto essa é o sufocamento provocado pela posição sob a cruz e pela tetania.
          Um outro estudo do autor chamado "Cinq Plaies" (Cinco Chagas), desconstrói a típica visão retratada em toda a arte produzida sobre o crucificado. Os cravos teriam sido cravados no parte da mão chamada carpo e não nas palmas como é comumente representado. Do contrário, os ligamentos dos dedos ter-se-iam rompido devido aos esforços em aliviar a asfixia. Além do mais, os pés de Jesus teriam sido pregado diretamente sobre o Stipe (o esquerdo sobre o direito), com um único cravo, sem uso do sedile e do suppedanaeum. Enfim, o sangue e água jorrados do peito de Cristo após o lançaço, seriam provenientes da aurícula direita do coração (sangue) e do hidropericárdio (água).
          Por fim, o autor conclui seus estudos esboçando o que para ele deve ter sido o processo de sepultamento. Despregados os pés do stipes, o corpo teria sido transportado até próximo ao túmulo por cinco homens, sendo um a segurar os pés, dois a sustentar o tronco por meio de uma cinta de pano e mais dois a segurar o patibulum. As mão teriam sido despregadas e cruzadas diante do púbis, estando o corpo sobre o sudário. Então a outra metade desse envolveu a frente do corpo e este, facilitado pela rigidez cadavérica, fora depositado no sepulcro em uma antecâmara. Vale lembrar que era véspera da festa da Páscoa e, em virtude da escassez de tempo, os discípulos teriam somente envolto o corpo de Jesus na mortalha e o deixado sobre a pedra da unção, deixando para depois os ritos mortuários e o depósito do corpo sobre a pedra sepulcral.
          As conclusões tiradas por Barbet da análise do Santo Sudário afastam completamente a possibilidade de farsa pela riqueza de detalhes que, até mesmo um artista perito em medicina e profundo conhecedor da crucificação teria dificuldades em reproduzir em uma pintura. Somente a natureza deixaria impressas marcas tão indeléveis de um corpo cuja serenidade do rosto na mortalha exprime sua verdadeira divindade. Mesmo assim, o cirurgião é humilde em reconhecer que técnicas mais avançadas do futuro poderão lançar maiores esclarecimentos sobre essa sagrada relíquia. Porém, até que tal prova em contrário não surja, Barbet se emociona diante da única prova material que o ressuscitado deixara sobre o preço de seu amor livre e incondicional pela humanidade.


REFERÊNCIA LITERÁRIA
Título:       Paixão de Cristo segundo o Cirurgião, A
Autoria:     Pierre Barbet
Editora:     Loyola
Ano:          2003
Local:        São Paulo
Edição:      10ª
Gênero:     Religião | Santo Sudário | Medicina

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